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Querida Penny,
Quero muito agradecer-te a carta e a fotografia que mandaste da bela casa onde moras. Que jardim tão grande! Podes brincar bem à vontade com o teu cão Scruff!
Juntamente com a minha carta, envio-te um postal do hotel onde nos encontramos, a minha mãe e eu. Este hotel ainda é maior do que a tua casa, parece-me. Vês todas aquelas varandas empilhadas umas sobre as outras, como gavetas abertas? A nossa varanda fica mesmo no cimo. Vais conseguir vê-la no postal porque a assinalei com uma cruz dentro de um círculo, como se fosse um alvo. Quando estou na varanda em pleno dia, consigo ver o mar ao longe.
Fecho os olhos e imagino-me a mergulhar na fresca água azul.
Na nossa aldeia, o meu amigo Branko e eu chegámos a ganhar algumas medalhas como mergulhadores. Quem me dera que o Branko tivesse vindo connosco para o hotel! A minha mãe não concorda: "Só com um de vocês já tenho problemas de sobra!"
À noite, a lua desenha um trilho prateado sobre o mar que vai desde este sítio onde estou até onde tu estás, Penny. Basta fechar os olhos para me ver a percorrer este caminho de prata que me leva até ti! A minha mãe fica o dia inteiro sentada no quarto. De todas as vezes que lhe pergunto porque é que não vai até à varanda ver o mar, responde-me:
— O sol está muito forte.
Mas mesmo quando o sol se põe, não sai do quarto.
— Tenho de acabar esta camisola — argumenta.
A minha mãe anda a tricotar outra camisola para mim, porque a minha ficou caída algures na estrada depois de termos deixado a aldeia. Ela diz muitas vezes:
— Não devias ter despido a camisola pelo caminho, Niko.
— Mas eu estava cheio de calor! — justifico-me.
Ao que ela replica:
— Vais ver que, em breve, assim que o inverno chegar, ficarás cheio de frio.
A comida que nos dão no hotel é muito esquisita. Não tem nada a ver com a comida deliciosa de que me falaste na tua carta quando foste fazer um piquenique com os teus pais. Hoje comemos sardinhas de conserva com macarrão.
Não me recordo de alguma vez termos comido sardinhas de conserva com macarrão em casa. Perguntei à minha mãe:
— Lembras-te do sabor do pão que costumavas cozer no forno no jardim de nossa casa? Lembras-te do mel das nossas colmeias e de como eu me deliciava a espalhá-lo no pão estaladiço?
Sempre que penso no nosso jardim, vem-me à lembrança a casota que o meu pai me ajudou a construir para o meu cão. Que desgosto ter tido que o deixar!
— Vá, toca a dormir! — diz a minha mãe.
Só que é difícil adormecer com bebés a chorar no quarto ao lado ou com uma velhinha a tossir por baixo de nós. Ouvem-se trovões estrepitosos ao longe.
— Os estrondos na nossa aldeia eram bem mais ensurdecedores, não eram, Mamã? — pergunto.
— Não! Não! Não! — grita a minha mãe.
Não creio que esteja a responder-me.
Deve estar a sonhar com aquele dia terrível em que os soldados entraram pelo café da aldeia adentro e começaram a levar os mantimentos. O meu pai disse-lhes que tinham de os pagar, como todas as outras pessoas, e é por isso que ele agora está na prisão, enquanto nós fomos mandados para este hotel de refugiados.
A minha mãe acredita que o meu pai vai ser libertado e que vamos voltar a viver na aldeia todos juntos. Que felicidade sinto ao pensar nesse dia, Penny! Por agora, vou fechar os olhos e imaginar que te convidei para nos vires visitar. Vou imaginar o quanto nos vamos divertir!
Um abraço do teu amigo,
Niko
Christine Harris
The Silver Path
London, Magi Publications, 1994
(Tradução e adaptação)
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Terríveis acontecimentos.
A guerra nunca nos traz ou nos dá coisas boas. Obrigada Adul pela belíssima partilha.
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