Para quem gosta realmente de amizade, de aprender e adquirir conhecimentos
Global Social
A todos os Erwan, Evan, Giovanni, Hans, José, Ivan, Jamil,
João, Jehan, Joan, Johan, John, Juan, Yann, Yohanan
que vivem de cada lado de um muro.
José e João eram amigos desde sempre.
Tinham partilhado a sua infância como irmãos.
Uma imensa pradaria era o paraíso para as suas brincadeiras. Um ribeiro de águas claras serpenteava pelo meio das ervas e das flores e as cerejeiras selvagens cresciam livremente. Era aí que, muitas vezes, os dois rapazes se encontravam para lançar os seus papagaios.
José gostava das árvores e das plantas. De verão, vinha colher as cerejas que enchiam os ramos das cerejeiras. Tratava-as com amor para agradecer os frutos que davam, cortava os ramos mortos, fertilizava a terra.
Com o tempo, acabou por acreditar que as árvores eram suas.
João quis ser pastor.
Numa primavera, as suas ovelhas deram tantos filhotes que o campo do pai já era pequeno.
Então, num belo dia, levou os animais para um prado onde a erva era abundante.
Mas as ovelhas não olharam a nada e trataram de roer as folhinhas tenras das cerejeiras.
Nesse dia, e pela primeira vez, José e João desentenderam-se.
― A pradaria pertence a toda a gente ― afirmou João.
― As cerejeiras são minhas. Sou eu sozinho que trato delas! ― respondeu José.
― As minhas ovelhas não fizeram de propósito para comer as tuas árvores!
― Nunca mais as quero ver na pradaria!
― Tu não podes impedir-me de as trazer para aqui!
― Isso é o que vamos ver! ― gritou José por fim.
Muitas vezes, as grandes contendas começam com insignificâncias.
Uma manhã, muito cedo, José dirigiu-se à pradaria. O seu carrinho de mão estava repleto de utensílios.
Durante todo o dia, trabalhou duramente ao sol. Quando chegou a noite, tinha cavado um fosso profundo que marcava uma fronteira. Ovelhas de um lado, árvores do outro. Era melhor assim.
Mas as ovelhas não querem saber de fronteiras.
Brincaram ao salta-pocinha por cima do fosso.
E encontraram-se todas do lado do José.
Depois, trataram de roer as folhinhas tenras das cerejeiras.
Ao longe, João ria-se do esforço inútil do seu amigo.
Para ele, tudo aquilo não passava de uma partida engraçada.
Mas José não via as coisas da mesma forma.
Estava furioso por ter despendido tanto esforço em vão.
Quando João lhe estendeu a mão para fazer as pazes, ele virou-lhe as costas.
Estava mesmo decidido a não lhe falar até tudo estar resolvido.
José ainda não tinha dito a sua última palavra.
Uma manhã, muito cedo, José voltou à pradaria.
O seu carrinho de mão estava cheio de estacas e de arame farpado.
Trabalhou todo o dia, debaixo de um sol escaldante.
Quando chegou a noite, tinha erguido uma vedação resistente que dividia a pradaria ao meio.
As ovelhas do João não conseguiriam comer mais as suas árvores.
Assunto encerrado, pensava.
Mas José enganou-se.
As ovelhas do João já não saltavam por cima do fosso.
Em vez disso, passavam por baixo da vedação.
Ao fim de alguns dias, conseguiram mesmo fazer um grande buraco.
José estava cada vez mais furioso.
E João tinha um sorriso amarelo.
Sentia-se sozinho. Sentia falta do seu quase irmão.
Mas era muito orgulhoso para ir falar com ele.
«Foi o José que começou esta disputa. Tem de ser ele a encontrar uma solução, pensava.»
Mas José não se deu por vencido.
Uma manhã, muito cedo, voltou à pradaria.
O seu carrinho de mão estava cheio de cimento e de pedras enormes!
E pôs-se a construir um muro.
Precisou de várias e longas semanas e de muitas viagens com o carrinho para o terminar.
No fim de todos esses dias de trabalho árduo, uma enorme muralha, mais alta do que um homem, feria a pradaria como um golpe de um cutelo.
João perdera a vontade de rir. O ribeiro onde as ovelhas iam beber ficava do lado do José.
Inacessível!
Expostos ao sol, os pobres animais baliam de sede.
João passava os dias a transportar baldes de água para lhes matar a sede.
Ao longe, José observava o que se passava com um leve sorriso triste.
Agora era a vez do outro sofrer!
Vencera.
No entanto, ele sabia que esta questão tão estúpida tinha assumido uma enorme importância.
Enquanto o muro estivesse ali, nenhuma reconciliação seria possível.
José e João tornaram-se irmãos inimigos… E nunca mais se falaram.
Passou muito tempo. O muro ficou.
E veio um verão muito quente, com um céu cor de fogo.
Durante meses, não caiu uma única pinga de água.
As ovelhas do João, uma a uma, morreram de sede.
O ribeiro do José secou.
As folhinhas das cerejeiras encarquilharam-se.
O prado ficou todo amarelo.
José e João, cada um do seu lado do muro, viam a destruição.
O paraíso da sua infância tornou-se num deserto.
Será que os corações de ambos se tinham tornado tão secos como as folhas mortas?
Numa manhã muito cedo, José voltou à pradaria.
O seu carrinho de mão só tinha um única picareta.
Debaixo do céu cor de fogo, começou a demolir o muro.
Assim que ouviu as pancadas, João agarrou no martelo mais pesado.
Correu para a pradaria e começou, ele também, a derrubar as pedras.
A noite chegou e, do muro, nada mais restava.
Sujos e sem forças, João e José olharam-se sem conseguir falar.
Nos seus corações, havia também um muro para ser derrubado.
Foram embora sem conseguir falar um com o outro.
Mas no dia seguinte, ao nascer da aurora, encontraram-se na pradaria.
Um ligeiro vento fresco levantara-se durante a noite.
José sacudiu o pó do seu papagaio.
João arranjou a cauda do seu.
E os dois rapazes desataram a correr um para o outro.
No céu, os dois papagaios fizeram as pazes.
José e João tinham reencontrado a sua pradaria e voltado a conquistar as suas memórias.
Mas também sabiam que o muro tinha deixado marcas nos seus corações.
Para eles, nada mais seria igual.
Angèle Delaunois; Pierre Houde (ill.)
Le Mur
Éditions de l’Isatis, 2007
(Tradução e adaptação)
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Boa noite meu querido, muito linda a história do muro, bjsss
Nos diz Joseph F. Newton "Se você se sente só, é porque ergueu muros em vez de pontes".
e é isto que acontece muito em nossas vidas...
Pelo menos reiniciaram. Um bom exemplo.
Muito bonito Adul. Tantos muros que nós vamos fazendo ao longo da nossa vida
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