Para quem gosta realmente de amizade, de aprender e adquirir conhecimentos
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Um belo dia, de visita a casa de um seu amigo, um rico mandarim da próspera província de Siam, vê-se, a dada altura, fascinado diante de uma pintura que o seu anfitrião lhe mostra.
Tenta, de imediato, comprar-lha, mas este recusa, aceitando, no entanto, indicar-lhe o pintor responsável pela obra.
O mandarim dirige-se logo a casa do pintor, rogando-lhe que lhe faça também uma pintura.
O mestre aceita, mas com duas condições. O mandarim deverá esperar seis meses até à conclusão da obra, e adiantar-lhe-á metade da soma do trabalho, cujo total totalizará cinco mil yenes.
Ainda que surpreendido pela soma reclamada e pelo tempo que a obra irá demorar a ser concluída, o mandarim, sempre recordado da maravilhosa pintura em casa do amigo, aceita as condições do mestre.
Os dias passam. As semanas passam.
O mandarim impacienta-se.
Um dia, por mero acaso, cruza-se num passeio com o pintor, que observava um esquilo a brincar num ramo.
E interroga-o...
— Em que ponto vai a obra, mestre?
O artista apenas murmura:
— Tenho tido muito trabalho.
Passa-se um mês. E logo outro.
O mandarim não aguenta mais a espera. Ele quer ver em que ponto se encontra a obra.
E decide ir até ao atelier do pintor.
Este impede-o de entrar.
O mandarim parte, irritado.
Chega finalmente o dia da entrega. O mestre das pinturas apresenta-se em casa do mandarim, carregando nos braços rolos e mais rolos de papel de arroz.
O mandarim, que se encontrava a dormir a sesta, levanta-se, apanha um rolo de papel e desenrola-o. O papel está virgem.
Eis que, então, o mestre retira de uma pequena caixa um pincel e um tinteiro. Ajoelha-se, e ali, com um gesto amplo, delineado, suave, como se executasse uma assinatura, desenha um esquilo que desce de um ramo de árvore. A obra, pois de uma verdadeira obra se tratava, era de cortar a respiração.
O mandarim fica mudo de espanto.
O mestre das pinturas solicita então o restante valor que lhe é devido. O mandarim enfurece-se. Como pode aquilo ser? Fazê-lo esperar seis meses para depois, em poucos segundos, lhe sarrabiscar um desenho?
E recusa-se a pagar.
O artista pega no desenho e, sob o olhar do mandarim, rasga a folha.
O grande senhor fica fora de si.
O mestre desenrola calmamente um segundo rolo de papel e executa uma vez mais o desenho.
Idêntico. Não! Ainda mais perfeito.
O mandarim está agora histérico.
Com receio de que o pintor o rasgue, agarra freneticamente o segundo rolo de papel, e atira o dinheiro para o chão.
O mestre apanha as moedas espalhadas e convida o mandarim a segui-lo.
Chegados ao atelier do pintor, o mandarim fica estupefacto. A toda a volta, pelas paredes, juncando o solo, em pilhas sobre as mesas, estão centenas e centenas de pinturas com o mesmo desenho: um esquilo a descer de um ramo de árvore.
O mestre abre então as gavetas da sua secretária. Estão a abarrotar de folhas de esboços cujos desenhos representam ramos de árvores e esquilos nas mais diversas posições. E comenta:
— A demora que considerou excessiva correspondeu ao período durante o qual estive a observar a vida e os hábitos dos esquilos. Aquilo que tomou por um atraso imperdoável foi apenas o tempo que me foi necessário para interiorizar o gesto perfeito, escolher o papel certo, ajustar o tom da tinta e encontrar o pincel mais adequado para representar a pelagem do animal, bem como a textura do ramo. O salário que lhe solicitei serviu apenas para pagar a minha ração diária de arroz. Agora, vou pedir-lhe que me deixe, pois tenho de aprender a desenhar o voo dos grous cinzentos e a tarefa anuncia-se difícil.
Thierry Dedieu
Le maître des estampes
Paris, Seuil Jeunesse, 2010
(Tradução e adaptação)
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Aos olhos de quem vê o trabalho final não pode imaginar o quanto custou até chegar lá. Bela lição.
Sempre que queremos que algo saia perfeito em nossas vidas, devemos acima de tudo procurar interiorizar aquilo que projetamos, e só assim podemos construir com segurança e perfeição.
Um texto muito bonito... gostei!
Belíssimo texto Adul
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