Global Social

unnamedinicio

Da minha casa vejo o mar.
Lá fora, existe a casa, a estrada, a erva até à falésia, e depois o mar...
E a cidade que se estende um pouco por toda a parte.
O meu pai é mineiro, trabalha no fundo da mina, debaixo do mar.

De manhã, quando acordo, ouço primeiro as gaivotas, depois um cão que ladra e um carro na marginal.
Em seguida, uma porta bate e alguém diz alto: «Bom dia!»
E, à sua passagem, os tremoços e os malmequeres agitam-se ao vento.
A primeira coisa que vejo quando olho pela janela é o mar.
E sei que o meu pai já lá está no fundo, debaixo do mar, a escavar para encontrar carvão.
Quando estou pronto para sair, corro até casa de um amigo, bato à porta e vamos para o campo de jogos.
Só há dois baloiços: um para os grandes e outro para bebés. Antes, havia quatro. Um está partido e o outro ficou preso no alto da armação.
Não me importo.
Subo para o baloiço dos bebés e o meu amigo senta-se no outro.

Lançamo-nos bem lá para o alto, e eu até sinto picadas na barriga.
Tão alto que consigo ver o mar…lá muito longe.
Bem distantes, as cristas das ondas são brancas.
E bem no fundo, debaixo do mar, o meu pai escava para encontrar carvão.

Ao meio-dia, quando regresso a casa, a minha mãe já me preparou uma sandes e um grande copo de leite. Bebo-o rapidamente e engulo de um trago o meu almoço.
A minha mãe diz-me então:
— Preciso da tua ajuda.
E manda-me à mercearia com uma lista de compras.

A loja fica na rua principal, não muito longe.
Mesmo a caminhar devagar, chego depressa.
A porta bate. Já estou lá dentro.

Hoje está um dia tão bonito...
O mar cintila.
E bem lá no fundo, debaixo do mar, o meu pai escava para encontrar carvão.

De tarde, vou ao cemitério visitar o meu avô, o pai do meu pai.
Ele também era mineiro.
No ar, há uma espécie de gosto a sal. Sinto-o na ponta da minha língua.
O meu avô tinha dito: «Têm de me enterrar em frente ao mar, mesmo junto dele. O meu trabalho foi muito duro.»
Quando há grandes tempestades, as ondas vêm rebentar na margem e lançam uma nuvem de espuma sobre o seu túmulo.
Ainda bem.
O meu avô sabe o que são tempestades.
Hoje, o mar está calmo...
É debaixo deste mar, bem lá no fundo, que o meu pai escava para encontrar carvão.

À hora do jantar, o meu pai regressa do trabalho. O rosto está todo preto por causa do carvão. Tem um ar cansado, mas dirige-me um grande sorriso e dá-me um beijo.

Um longo dia de trabalho terminou. Ei-lo são e salvo em casa.
Toma um banho, veste roupas limpas e vem ter connosco para jantar.
A minha mãe preparou a comida e o frango cheira muito bem.
Ponho a mesa, enquanto ouço um jogo na rádio.
Depois do jantar, o meu pai e a minha mãe sentam-se na varanda para conversar e beber uma chávena de chá.

O sol põe-se lentamente e mergulha no mar.
É debaixo desse mar, bem lá no fundo, que o meu pai escava para encontrar carvão.
Quando chega a hora de dormir, adormeço a ouvir o vai e vem das ondas. Penso no mar, penso no meu pai.

Penso nestes belos dias de verão e nos túneis sombrios debaixo da terra.

Um dia, será a minha vez.
Sou filho de um mineiro.

Na minha cidade, é assim.

unnamedfim

Nota do Autor:

Para um jovem que vivia numa cidade ou aldeia mineiras, a mina era o centro da sua existência.
O cheiro do pó de carvão era-lhe tão familiar como o ruído das bombas de vapor e os barulhos ensurdecedores dos guindastes.
E enquanto crescia, via o pai e os irmãos mais velhos irem para debaixo do mar, para a mina. Para a maioria dos rapazes criados nestas comunidades, chega sempre o dia em que eles, por sua vez, deixam a infância para irem para o fosso...

*****

Se o leitor fosse um rapaz das cidades mineiras de Cape Breton — ou em qualquer outra cidade mineira do mundo — no final do século XIX e início do século XX, poderia ter descido à mina aos 9 ou 10 anos de idade, e aguentado doze horas de dura e escura realidade subterrânea.
Décadas mais tarde, a vida nestas cidades ainda girava em torno das minas. Mesmo nos anos 50, quando esta história tem lugar, os rapazes em idade escolar só veem o futuro através do carvão, continuando deste modo as tradições dos homens da família.
Era esta a única herança possível numa cidade mineira.

Joanne Schwartz
D’ici, je vois la mer
Paris, Éditions Didier Jeunesse, 2019
(Tradução e adaptação)

Visualizações: 64

Os comentários estão fechados para esta entrada de blog

Comentário de Ubirajara Soares em 4 outubro 2021 às 13:15

Bom dia meu amigo

Comentário de Margarida Maria Madruga em 4 outubro 2021 às 0:42

Triste e perigosa realidade, mas há muitas como esta. Bonito relato.

Comentário de Elvia Pereira em 2 outubro 2021 às 18:44

Amei esta mensagem muito linda!!!

Fale com os membros

Ola deixe apenas uma mensagem por dia pois por limitações só são guardadas as ultimas 100 mensagens.

Membros da Rede

Menu de Funcionalidades

Membros
Fotos/Videos/Blog
Entretenimento/Ajuda

© 2024   Criado por Adul Rodri (Adm)   Produzido Por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço

Registe-se Juntos fazemos a diferença!