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Um homem tão baixo que, para melhor se debruçar sobre a grande mesa de madeira, via‑se obrigado a trabalhar de pé numa cadeira. Não maior que um menino pequeno. Mas que talento único de alfaiate. Ninguém como ele para domar os tecidos, amansar-lhes as fibras, ordenar-lhes o caimento. Usava a tesoura como outros usam o pincel, e os seus pontos, os seus pontos pequenos, perfeitos, eram mais uma escrita que uma costura.
Nem contabilizava o tempo gasto para ultimar um traje. O tempo não tinha valor para ele, valor tinha a tarefa. Trabalhava de dia, trabalhava de noite, dias e noites seguidos, até vê-la acabada. Só então descansava. E essa era a sua vida.
A costura, a casa, a janela. Mais nada. À rua não ia. Não sentia desejo nem tinha necessidade. Os fornecedores iam até ele, a comida lhe era entregue nas horas certas, sempre a mesma ou quase. De que mais precisava?
Precisava, sim, às vezes, de modelos. Não que fosse incapaz de criar, pelo contrário, mas sentia desejos de renovação. Então chegava à janela e durante horas estudava as bainhas que passavam ondeando junto ao calçamento, o corte das golas, das mangas, ou as rodas volteantes dos mantos. Olhava por fora e era como se visse pelo avesso. Depois, era com renovado entusiasmo que empunhava os grandes esquadros de madeira e traçava sobre o pano novos planos.
Não se limitava às roupas, queria o figurino completo. Fazia questão de ter sapatos, luvas, xale, uma pequena bolsa para as senhoras, e pèlerine, calçados, chapéus, um pequeno punhal para os cavalheiros.
Uma coisa, porém, se mantinha sempre igual: não importava a que horas ou que dia começasse, nem qual fosse o traje, seu trabalho sempre terminava tarde da noite, bem tarde. Era quando o homenzinho arrematava o último ponto, cortava a linha com os dentes, prendia a agulha no seu próprio colete e, com os braços carregados de indumentos, atravessava quase no escuro o fundo silêncio da casa. Uma porta, um quarto. Nesse quarto ele dispunha as peças de roupa sobre a cama organizando-as na ordem mesma do uso, a camisa ao alto, o corpete por cima, a anágua, a saia, as meias despontando abaixo da bainha, e os sapatinhos no chão. Ou a camisa, o colete, o casaco, as calças e as botas. Conferia os detalhes, verificava os acessórios, dava um último toque numa prega, numa gola. E saía. Nessa noite dormia profundamente.
Tão profundamente que não ouvia o leve ranger do piso, os passos, o estalar da porta de saída. Tudo estava em ordem quando acordava, sol alto, na manhã seguinte. No quarto, a cama feita e vazia. Ele ia à janela, procurava na multidão, até achar a pessoa que não havia estado ali no dia antes, que não havia estado antes em lugar algum, a pessoa criada por seus trajes e sua agulha. Depois subia na cadeira e, debruçado sobre a mesa, empunhava novamente os esquadros.
De que mais podia precisar?
De nada precisava até o dia em que precisou. E nesse dia, precisou com tal intensidade que pareceu-lhe sempre ter precisado. Era-lhe preciso um amor.
Mandou chamar os fornecedores. Sempre havia sido exigente, porém dessa vez surpreenderam-se os mercantes de tecidos, nada parecia servir-lhe. Ora queria veludo, ora queria cetim. Dizia preferir o lilás, mas encantava-se com o esmeralda. E cheirava os tecidos como se fossem flores, e os fazia farfalhar junto ao ouvido, e os alisava em afagos. Feitas as escolhas por fim, pago o preço, lá estava ele com o tecido estendido sobre a mesa e um tremor novo espalhado no peito.
Se nunca havia contabilizado a demora, dessa vez pareceu esmerar-se em lentidão. Tinha e temia a pressa de terminar. O desejo empurrava a agulha, o medo a retinha. Os pontos pequenos faziam-se minúsculos. E num rompante, desmanchava o já feito e recomeçava, buscando a perfeição.
Mas não houve meio de evitar. Uma noite, bem tarde, a roupa ficou pronta. Silêncio e solidão. As peças no braço, os passos no escuro, a porta aberta. E, peça a peça, o seu desejo estendido na cama.
Essa noite, não dormiu.
Ouviu os passos, mas antes que o ferrolho da porta de saída rangesse, levantou-se e foi ao encontro da mulher.
Ela o olhou de cima a baixo. Ele lhe disse que a casa era sua e lhe entregou a chave. Ela não sorriu. Assim começou.
Ao contrário dele, a mulher parecia gostar da rua. E por que não haveria de gostar? Saía cedo, ia talvez pavonear-se, exibir suas belas roupas. Há tantas coisas a fazer na rua quando se é jovem. Voltava tarde ou não voltava até o dia seguinte. Parecia esquecer-se dele. E quando o olhava era como se não o visse.
Sobre a mesa, os esquadros jaziam abandonados. Nem ele ousava subir na cadeira para trabalhar, temendo que ela chegasse de repente e o surpreendesse assim, empoleirado. E à noite deitava-se, para adormecer só depois que os passos leves anunciavam seu regresso.
Pensou que com o tempo ela o olharia de outro modo. Passou a cozinhar, deixando a mesa posta para ela. Mas a cada manhã retirava o prato e a taça de vinho como os havia deixado à noite, intocados. Comprou flores, que colocava no quarto enquanto ela estava ausente, e que lentamente apodreciam no jarro. Solicitou a seus fornecedores pequenos agrados com que a esperava por vezes sem ocupar-se da hora, um lenço bordado, uma pluma para o chapéu, um perfume. Ela os recebia como havia recebido a chave, estendendo a mão sem uma palavra, sem qualquer ternura no olhar.
A agulha amorosa do pequeno alfaiate não havia costurado sentimentos.
O tempo e o uso começavam a denunciar-se no traje da mulher. A viva cor de beringela que ele havia escolhido com tanto esmero já não parecia tão viva. Manchas turvavam a camisa antes imaculada, puía-se a gola, a barra da saia enlameada desfazia-se em fiapos. E faltava um botão.
Quando ele ia ao seu encontro ou quando a olhava escondido atrás da porta, sua mão erguia-se automaticamente até a agulha presa no colete. Mas era só um gesto. Sabia que não havia conserto possível para aquela roupa. Duraria somente quanto conseguisse durar.
E durou até as costuras de pontos tão pequenos começarem a se desfazer, até o tecido gasto tornar-se quase transparente. Enquanto houve solas nos sapatinhos, mesmo com furos, ela passou seus dias na rua, embora já não pudesse se pavonear. E afinal chegou uma noite de chuva em que, contrariando seus hábitos, chegou cedo. Entrou de cabeça baixa, passou por ele apressada. Os cabelos escorriam, a roupa já em frangalhos parecia vazia. Trancou‑se no quarto.
Ele ficou acordado ouvindo-lhe o silêncio. Depois, cansado, adormeceu.
Acordou tarde de manhã. Na luz pálida do sol a casa avançava tranquila dia adentro. A porta do quarto continuava fechada. O homenzinho aproximou-se, bateu. Não teve resposta. Tornou a bater. Silêncio. Devagar, pronto a fechar se fosse preciso, abriu, avançando aos poucos o olhar na fresta do batente. Não havia ninguém no quarto, talvez um leve perfume. Sobre a cama ainda feita, na ordem mesma do uso, viu os restos da camisa de cambraia, o que sobrava do corpete, da anágua, da saia. Das meias, nem vestígio. No chão, acabados, os sapatinhos.
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Quando a beleza mora na aparência
e o vazio, no interior...
Marina Colasanti
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Um conto muito bem elaborado. Uma bela construção. Um ótimo ensinamento.
Cedo ou tarde, é possível concluir que não faz bem viver sozinho. O vazio é tirano: obriga excessos na aparência. Evidente que faz bem todo e qualquer cuidado. O bom gosto eleva, inspira, provoca melhorias. É possível cuidar da exterioridade e também da interioridade.
Belíssimo texto Adul
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