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Num reino onde era bom viver, havia de tudo para toda a gente, em quantidade suficiente. Chuva suficiente para regar as culturas, sol suficiente para se fazerem as ceifas, lenha suficiente para se aquecerem e até dinheiro suficiente para que todas as atividades e distrações (carrosséis, baloiços, pesca de anzol, pesca submarina, livros, espetáculos de circo) fossem completamente gratuitas.
Mas Leo, o filho do rei, nunca tinha o suficiente.
O pai, embora estivesse muito ocupado com as funções de rei, tudo fazia para responder ao menor desejo do filho. Assim, quando o príncipe se lamentou que tinha poucos póneis, o soberano mandou imediatamente que selecionassem na sua coudelaria uma dúzia de cavalinhos para que o filho pudesse dispor de novas montadas.
O mesmo se passou quando Leo se lamentou de nos jardins reais não ter espaço bastante para correr. O monarca logo ordenou que os ampliassem para o príncipe poder brincar à vontade.
E no dia em que o jovem herdeiro disse que se aborrecia a brincar sempre com os mesmos soldadinhos de chumbo, o rei mandou fabricar muitas dezenas de novas figuras representando todos as patentes e corpos do seu exército.
Mas, apesar de tudo isso, Leo sentia sempre falta de alguma coisa.
Talvez a causa fosse algo mais profundo do que póneis para montar, espaço para correr ou soldados de chumbo. Mas… o que poderia ser?
Um dia, um passarinheiro veio visitar a corte. Ofereceu ao monarca um lindo papagaio de plumagem multicolor.
— Chama-se Dizmetudo — disse.
— Que nome esquisito! — exclamou o soberano.
— É que ele fala, Senhor!
— Fala? — perguntou o rei admirado.
— Com quem souber fazê-lo falar — explicou o vendedor de pássaros. — Senhor, deixo-vos uma folha com indicações, que poderão ser-vos úteis — acrescentou, colocando-a, dobrada em quatro, entre as páginas de um livro.
O passarinheiro deixou o palácio. O rei bem se esforçou mas, para seu desespero, o animal permaneceu mudo. Falou-lhe em tom muito gentil, depois em tom firme, de novo com amabilidade, e outra vez em tom irado, mas Dizmetudo permanecia mudo como uma pedra.
Entretanto, Leo admirava a doce plumagem de cores deslumbrantes do papagaio, o seu olhar intenso, o ar de quem compreende tudo e a forma como se mantinha direito em cima das patas. Afeiçoou-se a ele e, sempre que podia, ia passear com o amigo emplumado em cima do ombro.
O rei, pelo contrário, estava cada vez mais descontente pelo facto de o pássaro não dizer uma única palavra.
Uma bela manhã, o rei, preparado para sair de viagem por uma semana, zangou-se e ordenou: se, quando regressasse, o animal ainda não tivesse falado, seria vendido no mercado. O príncipe, ao inteirar-se da decisão do rei seu pai, ficou muito apreensivo. Bem queria suplicar-lhe que não fizesse tal coisa, mas o rei já seguira viagem.
Todos os dias tentava que o amigo falasse, mas em vão. Então, ao fim do sexto dia, chorando no seu quarto porque Dizmetudo iria ser vendido, viu passar um homem carregado de poleiros para aves.
Era o passarinheiro!
Chamou-o pela janela, pediu-lhe que fosse até junto dele e contou-lhe a sua preocupação.
— Mas... e a folha com as instruções que deixei, dobrada dentro de um livro?! — perguntou o passarinheiro. — O Senhor vosso pai, demasiado ocupado com os negócios, deve ter-se esquecido dela. Está lá tudo explicado!
Leo correu a procurar o livro, encontrou o documento, desdobrou-o e leu o início:
«Dá-lhe a primeira letra do seu nome, e ele dar-te-á a segunda.»
Logo de seguida, pronunciou com muita clareza:
— D
— Iiiii—respondeu o pássaro.
— Z
— Mmm
— Já falas, já falas, urra! — exultou de alegria o príncipe.
— Claro, que falo! — retorquiu Dizmetudo.
— E consegues conversar? — perguntou Leo.
— Como está escrito no texto, eu falo quando tenho alguma coisa para dizer. Depois, calo-me, porque o silêncio é a força das palavras.
— Quando penso que quase me arrisquei a perder-te! Iria ter muitas saudades tuas!
Minutos antes, o papagaio tinha ouvido o príncipe lamentar-se que no castelo faltavam divertimentos e insistir com o mordomo real para que organizasse muito mais festas.
— Falta, falta e ainda falta! — indignou-se Dizmetudo. — Quando vais deixar de sentir sempre falta de qualquer coisa?
— Mas... mas... — ia Leo protestar.
— Deixa-me contar-te uma história — interrompeu o pássaro. — Senta-te e ouve com atenção.
O príncipe, admirado pelo facto de o animal não só falar mas ainda contar histórias, não se fez rogado. Sentou-se e ficou à escuta.
— Sabias — começou o papagaio — que todas as crianças à nascença são maravilhas dotadas de imensos dons, de poderes mágicos? Ou seja, que todas as crianças são dotadas de grandes talentos?
— De grandes talentos? — admirou-se Leo. — Todas as crianças?
— Sim, sim. Mas chega a altura em que cada criança tem de se adaptar ao mundo. Para isso, precisa de se encolher, de se reprimir e, assim, de abandonar uma parte essencial de si.
— A sério? É muito triste! — disse o herdeiro do trono em surdina.
— Assim é! Enquanto isto, há uma fada que zela por cada criança.
— Uma boa fada, dizes tu? Uma mesmo de verdade?
— Tão verdade como eu estar a falar contigo! E sabes o que faz?
— Ah… não! — respondeu o príncipe.
— Ela guarda, em segredo, essa parte essencial da criança à qual ela teve de renunciar: a sua grandeza, o seu talento!
— Uau! — exclamou Leo, maravilhado.
— Ao crescer — prosseguiu Dizmetudo, — as crianças sentem que lhes falta alguma coisa, sem saberem exatamente o quê. Então tentam preencher essa falta com mais póneis, mais soldados de chumbo, mais espaço para correrem, mais festas para se divertirem; só que nada disso as satisfaz verdadeiramente.
— Os póneis, os soldados de chumbo e tudo o resto — disse Leo —, foi o que eu já pedi muitas vezes!
— E não te apercebeste de que não eram coisas aquilo que procuravas?
— Não, nunca! — reconheceu o príncipe.
— Repara que as coisas que cobiçamos tentam substituir o que verdadeiramente nos falta!
Leo ouvia com muita atenção, impressionado.
— Mas o que é que verdadeiramente nos falta? — quis saber.
O pássaro não respondeu, deixando Leo refletir por si mesmo.
— Ah, sim, já percebi! — exclamou. — É o nosso talento, a nossa grandeza, aquela parte de nós a que renunciámos. É isso, não é?
O papagaio voltou a não responder.
— Mas porque é que a fada não nos devolve essa parte de nós mesmos? — questionou o príncipe.
Como Dizmetudo continuasse calado, Leo insistiu:
— Vá, diz-me, por favor, por que razão não no-la dá?
O animal fazia uma careta que parecia significar: «Procura e encontrarás a resposta!»
Leo bem coçava a cabeça, mas não encontrava a resposta.
— Pronto, por seres tu, digo-te! — cedeu a ave. — Mas estas serão as minhas últimas palavras sobre o assunto. É assim, a boa fada de cada criança só espera uma coisa: que a criança pare de querer sempre mais, que esteja pronta a encontrar o seu talento no interior de si, e disposta a acolhê-lo. A partir do momento em que isso ocorra, ela entrega-lho!
Dizmetudo não respondeu a mais nenhuma pergunta. Limitou-se a palrar e a assobiar como todos os pássaros da sua espécie.
Quando o rei voltou, ficou muito contente ao saber que o papagaio tinha falado e que não o tinham vendido. Leo sugeriu então dar uma grande festa, para a qual convidaria todas as crianças do reino.
Foi lançado o mais belo fogo-de-artifício que algum dia se viu e, para rematar, foram lançadas letras gigantes onde se lia:
Cada um de vós tem um talento escondido!
Quem quer encontrá-lo?
Jacques Schecroun
Le prince qui manquait de tout
Paris, Albin Michel, 2018
(Tradução e adaptação)
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Essa é bem infantil ao meu ver. Histórias que ensinam algo de positivo.
BONITO CONTO AMIGO ADUL! OBRIGADA !
Bom Dia! Um belo conto. Há tudo de muito belo dentro de cada um de nós. Muitas pessoas cegas querem sempre mais e mais, se esquecendo de agradecer todos os dias o que foi recebido. bjs
Maravilhoso conto. Adorei!
Que possamos ter sempre o suficiente e agradecer. Só precisamos ter
a capacidade do discernimento e saber encontrar a nossa essência
que é o nosso tesouro escondido.
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