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Vi no outro dia o comentário de uma mulher que afirmava nunca ter sido assediada porque nunca se tinha “posto a jeito”.

Fiquei confusa.

Afinal, eu achava que era quase impossível alguém “pôr-se a jeito” para ser assediada, violada, assassinada ou agredida, salvo em situações muito específicas. A afirmação perturbou-me profundamente porque percebi que, na cabeça daquela mulher, eu até me pus a jeito algumas vezes.
Aos 12 ou 13 anos, por exemplo, um homem só me seguiu de carro até casa porque me pus-me a jeito, só pode.
Terão sido as minhas leggings com sapinhos verdes, a fita no cabelo ou os meus dentes tortos a provocá-lo? Seria a minha mochila vermelha, da cor da luxúria? Ou seriam os meus olhos castanhos, de encantos tamanhos? Se calhar devia ter usado lentes de contacto…
Vou ter uma filha, por isso está na altura de tomar decisões: vou ensiná-la a não ser como a mãe, que andava mesmo a pedi-las por fazer o caminho de casa para a escola a pé. Só não sei como é que a ensino a “não as pedir” porque isto está difícil.
Se lhe vestir uma burqa, está a pedi-las porque é terrorista.
Se lhe vestir uma mini-saia, está a pedi-las porque está a mostrar demais o corpo.
Se lhe pintar o cabelo de uma forma extravagante, está a pedi-las porque é demasiado diferente.
Se lhe deixar o cabelo da cor natural, está a pedi-las porque pavoneia a sua beleza natural.
Se a obrigar a ser desmazelada, está a pedi-las porque não cuida de si.
Se a obrigar a cuidar de si, está a pedi-las porque é vaidosa.
Se lhe disser para andar cabisbaixa, está a pedi-las porque é anti-social.
Se lhe disser para ser extrovertida, está a pedi-las porque lhes dá conversa.
Por isso aproveito esta plataforma para vos pedir ajuda. Digam-me qual a fórmula secreta para “não as pedir”. Expliquem-me como é que se ensina uma criança de 12 anos a não provocar a luxúria de um homem adulto, porque eu só quero evitar que a minha filha passe por aquilo que eu passei. Expliquem-me! Porque assim, quando crescer, a minha filha não se vai “pôr a jeito” só porque sorriu ou não sorriu para o chefe, só porque usou ou não usou determinada peça de roupa, só porque cortou ou não cortou o cabelo.

Expliquem-me como é que alguém se “põe a jeito”, como é que se continua a culpar a vítima, como é que se ignora que o problema está no facto de continuarmos a tentar racionalizar um crime. Expliquem-me porque procuramos infinitas desculpas para descredibilizar quem sofre e outras tantas para proteger quem magoa. Porque é que se exige que vivamos uma vida a olhar por cima do ombro, a medir cada gesto, cada reacção, para não provocar uma acção criminosa.

Expliquem-me porque é que temos de seguir regras que nem sequer existem ou são definidas, que mudam de acordo com a necessidade ou a circunstância. Expliquem-me porque é que tem de ser a vítima a “não se pôr a jeito” e não o criminoso a “temer a justiça”.

E acima de tudo: por favor, façam-me entender como é que uma miúda de 12 anos se põe a jeito para o que quer que seja!

Por Ana Manuel Ferreira

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