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Com fé, tudo é possível? Se eu realmente tiver fé todos os meus problemas se resolverão? Dores, angústias, dificuldades financeiras, inquietações, tristezas, deficiências, perturbações e perseguições e quaisquer outras dificuldades que venham a surgir?
— Claro que sim — dirá o rigoroso intérprete da expressão evangélica, contida no evangelho de Marcos, 9:23.
— Afinal, foi o próprio Jesus que afirmou: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê.
Tomar ao pé da letra semelhante afirmativa seria derrogar o princípio de justiça que deve reger a vida humana e colocar por terra outra afirmativa do Cristo, anotada pelo evangelista Mateus, 5:26, contida no Sermão da Montanha:
—Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás dali, enquanto não pagares o último ceitil.
Diz-nos a razão que, mesmo investidos de fé inabalável, ainda assim, nem tudo poderemos alcançar, enquanto não consertarmos as besteiras que cometemos, isto é, antes de repararmos os males que praticamos.
Falar de forma diferente seria criar falsas expectativas ou passar a falsa impressão de que as nossas preces não foram ouvidas porque nos falta fé, ou por outra falha nossa.
Muitos de nós, diante dos problemas da vida, alimentamos a pretensão de resolvê-los por intermédio de um poderoso médium, de um passe magnético mágico, de uma milagrosa água fluidificada ou de uma vigorosa concessão divina.
Precisamos aprender que nem com toda a fé do mundo conseguiremos eliminar todos os obstáculos da vida, simplesmente porque muitos deles ainda não podem ser removidos.
— Pode ser — afirma Allan Kardec em O Livro dos Médiuns — que o melhor, para o bem do doente, seja ainda sofrer (Item 176).
Sob o ponto de vista humano, a felicidade está condicionada à inexistência do sofrimento. Sob o ponto de vista espiritual, no entanto, esse sofrimento, pode representar o melhor para o nosso espírito.
Nesse caso, o caro leitor poderá afirmar:
— Ora, então do que adianta orar? De que vale ter fé?
Calma, caro amigo. A confiança e a ligação com Deus são fundamentais. É preciso, no entanto, bem definir fé, diante da revelação espírita:
A fé, sob a luz da razão, representa a convicção de que existe um plano maior que tudo dirige e que nos proporciona exatamente aquilo de que necessitamos, ainda que sob o ponto de vista humano isso não represente algo muito agradável.
A fé:
— me faz confiar irrestritamente na existência de um infalível programa divino, que tudo acompanha e tudo organiza;
— me dá a convicção de que Deus tudo pode, mas que me oferece só o que é melhor para mim;
— me convence de que eu devo melhorar-me, a cada dia e, com isso, posso estabelecer uma ponte com o divino;
— é o motor que me permite mudar o que pode e deve ser mudado.
O homem de bem, que estuda, raciocina e reflete, com o tempo vai aprendendo que há coisas que a fé não pode resolver. Não basta confiar, ter esperança, acreditar cegamente, achando que no final tudo vai dar certo. Espíritas conscientes já sabem que muitas coisas não terão jeito e o que é considerado um mal, aos olhos da matéria, é indispensável à recuperação do espírito.
Não nos desesperemos! É perfeitamente possível, com fé, combater o mal que existe em nós, não apenas com sofrimento e inquietação.
A disposição de servir, os exemplos de dedicação ao bem e a posição ativa, mesmo diante de situações perturbadoras, significam fé no futuro, confiança na divindade, com a firme convicção de que, mesmo diante de adversidades, o comando divino está fazendo o melhor por nós. Não talvez, sob a ética humana e passageira, porém, com toda a certeza, sob a ética da espiritualidade.

***

A fé pressupõe a submissão.

Há a submissão passiva, a que aceita os percalços da vida, entendendo que não podem ser modificados. Aceitamos a vontade de Deus, como um bem para a nossa alma, e ponto final.
Há também a submissão ativa, em que, a princípio aceitamos a dor, para depois atuarmos para que ela seja minimizada ou até suprimida. Quero lhe trazer, amigo leitor, um exemplo concreto desse posicionamento ético, que guarda perfeita correlação com os planos divinos, adotado por alguém que, mesmo diante de mil adversidades, entendeu que poderia fazer algo de muito importante para pessoas que tinham por destino certo a dor e o desespero.
Em 1938, Nicholas Winton, filho de pais judeus, trabalhava como corretor de valores em Londres. Em 10 de março de 1939, Hitler ordenou a ocupação de Praga. Teria sido muito cômodo para Nicholas não se envolver com esse assunto. Investido, porém, da indignação própria de quem tem fé na justiça e não se omite diante da dor alheia, após a ocupação nazista Winton decidiu abandonar seu trabalho e dedicar todos os seus esforços no sentido de resgatar crianças judias da então Tchecoslováquia.
Persuadiu as autoridades britânicas a receberem essas crianças no Reino Unido, mesmo sem os documentos à época exigidos. Seu plano consistia em convencer um grupo de famílias inglesas a abrigá-las, a fim de salvá-las da perseguição nazista.
Graças à coragem e determinação de Nicholas, suas ações permitiram que 669 crianças sobrevivessem ao holocausto. Somente em 1988 a proeza de Winton veio a público. Ele faleceu em 2015.
Recentemente, Londres celebrou o aniversário de Winton com um serviço religioso em homenagem à sua fé ativa, da qual participaram vinte e oito pessoas que a ele devem sua vida. Nicholas Winton: um homem de fé. Não a fé da aceitação passiva, sem murmúrios e queixas, mas a da aceitação ativa, de quem se mobiliza na dedicação ao bem.

***

Dirá talvez, o caro leitor, que estou descrevendo um Deus implacável e insensível, cuja justiça distributiva que preside a punição dos culpados não se deixa seduzir pelo arrependimento e pela submissão. Não é bem assim!
A pretensão que não podemos alimentar é a de que, por murmurarmos algumas palavras ou nos submetermos a algumas privações voluntárias, estaremos quites com a lei e nos eximiremos de nossas responsabilidades. O certo mesmo seria seguir o exemplo de Saturnino Pereira…

***

Narra-nos Hilário Silva, por intermédio da psicografia de Francisco Cândido Xavier, a seguinte história — denominada O merecimento, que abaixo transcrevo resumidamente.
Quem conhecia Saturnino estranhou. Como pôde acontecer isso com ele? Cumpridor de seus deveres, trabalhador e a caridade em pessoa. Como Deus permitiu que acontecesse o acidente, na máquina com que trabalhava na fábrica? Aparentemente, um estrago de grandes dimensões em seu braço direito.
— Embora o braço inteiro esteja traumatizado — informou o médico — nosso amigo perderá simplesmente o polegar.
— Porque um desastre desses com um homem tão bom? — murmurava uma companheira —. Justamente com Saturnino, que ajuda a todos?
O próprio Saturnino estava triste e decepcionado. Os seus méritos, porém, permitiram-lhe a revelação. Espírita, compareceu à noite à reunião habitual do centro que frequentava, e lá ouviu, bondosamente, as orientações do orientador espiritual:
— Saturnino, meu filho, não se creia desamparado, nem se entregue a tristeza inútil. Você hoje demonstra indiscutível abatimento, entretanto, não tem motivo para isso.
— Há oitenta anos, era você poderoso sitiante no litoral brasileiro e, certo dia, porque pobre empregado enfermo não lhe pudesse obedecer às determinações, você, com as próprias mãos, obrigou-o a triturar o braço direito no engenho rústico.
—Por muito tempo, no Plano Espiritual, você andou perturbado, contemplando mentalmente o caldo de cana enrubescido pelo sangue da vítima, cujos gritos lhe ecoavam no coração. Por muito tempo, por muito tempo…
— E você implorou existência humilde em que viesse a perder no trabalho o braço mais útil.
— Mas, você, Saturnino, desde a primeira mocidade, ao conhecer a Doutrina Espírita, faz o do bem aos outros, tem trabalhado, cumprido os seus deveres.
— Hoje, por sua própria sentença, deveria ter perdido todo o braço, mas perdeu só um dedo. Regozije-se, meu amigo! Você está pagando, em amor, seu empenho à justiça…
De cabeça baixa, Saturnino derramava grossas lágrimas.
Lágrimas de conforto, de apaziguamento e alegria…
Na manhã seguinte, mostrando no rosto amorável sorriso, estava de volta ao trabalho. Aos que estranharam sua presença, pois estava de licença-saúde pelo acidente, falou bem alto, caminhando fábrica a dentro:
— Não estou doente. Fui apenas acidentado e posso servir para alguma coisa.
— Graças a Deus!

***

O reconhecimento da culpa e a consciência de que as punições guardam correspondência com os nossos merecimentos são pontos fundamentais de partida para as eficazes atitudes que vão minimizar e até, eventualmente, comutar as nossas penas.
Deus é infinitamente justo, mas também é infinitamente bom.
Se na Terra tendemos a querer escapar da infelicidade a qualquer preço, da espiritualidade vêm notícias, a todo momento, de Espíritos que não conseguiram mercantilizar com a divindade e nos recomendam as providências que efetivamente nos trarão paz e alívio para as nossas dores.
A fé que nos impulsiona para a oração, que proporciona o alívio e a esperança, deve ser a mesma que deverá nos impulsionar à resignação e à atitude ativa de reparação de nossos males e de diminuição das dores dos nossos semelhantes.
É a mesma que nos fará trocar a moeda da dor pela do amor, do trabalho e da transformação interior, fórmula infalível à nossa autêntica redenção perante Deus.
Se a dor se origina nos males que devemos purgar, nada mais lógico que a nossa reforma interior limpe esses males.
Daí, não haverá mais necessidade de sofrimento, porque o amor tomou o seu lugar.

***

— Podem as preces, que por nós mesmos fizermos, mudar a natureza das nossas provas e desviar-lhes o curso?
— As vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas há que têm de ser suportadas até ao fim; mas, Deus sempre leva em conta a resignação. A prece traz para junto de vós os bons Espíritos e, dando-vos estes a força de suportá-las, corajosamente, menos rudes elas vos parecem.
— Temos dito que a prece nunca é inútil, quando bem-feita, porque fortalece aquele que ora, o que já constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes. Demais, não é possível que Deus mude a ordem da natureza ao sabor de cada um, porquanto o que, do vosso ponto de vista mesquinho e do da vossa vida efêmera, vos parece um grande mal é quase sempre um grande bem na ordem geral do Universo.
— Além disso, de quantos males não se constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência ou pelas suas faltas? Ele é punido naquilo em que pecou. Todavia, as súplicas justas são atendidas mais vezes do que supondes. Julgais, de ordinário, que Deus não vos ouviu, porque não fez a vosso favor um milagre, enquanto que vos assiste por meios tão naturais que vos parecem obra do acaso ou da força das coisas. Muitas vezes também, as mais das vezes mesmo, ele vos sugere a ideia que vos fará sair da dificuldade pelo vosso próprio esforço.

Allan Kardec, O Livro dos Espíritos – Questão 663

Escultor da vida

Hoje levantei cedo pensando no que tenho a fazer antes que o relógio marque meia noite. É minha função escolher que tipo de dia vou ter hoje. Posso reclamar porque está chovendo ou agradecer às águas por lavarem a poluição. Posso ficar triste por não ter dinheiro ou me sentir encorajado para administrar minhas finanças, evitando o desperdício. Posso reclamar sobre minha saúde ou dar graças por estar vivo. Posso me queixar dos meus pais por não terem me dado tudo o que eu queria ou posso ser grato por ter nascido. Posso reclamar por ter que ir trabalhar ou agradecer por ter trabalho. Posso sentir tédio com o trabalho doméstico ou agradecer a Deus por ter um teto para morar. Posso lamentar decepções com amigos ou me entusiasmar com a possibilidade de fazer novas amizades. Se as coisas não saíram como planejei posso ficar feliz por ter hoje para recomeçar. O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser. E aqui estou eu, o escultor que pode dar forma. Tudo depende só de mim.

Charles Chaplin

Sidney Fernandes

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