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"Põe quanto és no mínimo que fazes."
Ricardo Reis

Na cozinha, jorra água da torneira para encher o recipiente onde o bacalhau ficará a demolhar. As bolachas suspiram de prazer no forno. A compota borbulha alegremente ao lume e o seu vapor frisa-me o cabelo. Espreito a massa das filhoses que teima em não crescer, experimentando-me a paciência e a esperança. Pousado na bancada, o livro de receitas murmura os seus segredos.

Cada pensamento que tenho é uma fonte de calor que se transforma num rosto. Sinto o pulsar da cidade, apressada. Sinto a sua dor, os seus desencontros, o seu amor impaciente. Vivo-a todos os dias. Essa vida vulgar que tento vestir de punhos brancos. As feridas não são flores, mas podem ser tratadas como se fossem.

O meu avô morreu na véspera do dia de Natal. Quando penso nele, lembro–me sempre da história que nos contava a mim e ao meu irmão. Quando o Convento de Mafra estava em construção, D. João V gostava de inspecionar as obras. Acercava-se dos pedreiros e fazia-lhes perguntas sobre o que estavam a fazer. Uns respondiam-lhe que partiam pedra, outros, que lixavam a madeira. Um dia, o rei fez a mesma pergunta a um homem que fazia cal. Aquele homem, que realizava um trabalho insignificante quando comparado com o dos outros artesãos, respondeu-lhe que construía uma catedral.

Nunca me esqueci desta história. O meu avô ensinou-me que a vida só ganha significado com a noção do todo. Desde esse dia que me esforço por construir a minha catedral. A nossa pequena história humana está cheia de relíquias, de momentos em que nos erguemos sobre as coisas, de momentos em que somos inteiros. E ser inteiro não é ser perfeito. Ser inteiro é estar presente, é acreditar que há sempre novas formas risonhas de recomeçar a mesma vida. É a nossa capacidade de ver mais perto quem está perto.

Acho que é esse fio de esperança que o Natal nos ensina. Cada amanhecer brinda-nos com uma nova oportunidade de sermos melhores no que fazemos, sonhamos e damos de nós. Talvez isso se chame liberdade. Pode ser um gesto que nos salva todos os dias ou apenas o entendimento que aquilo que procuramos está dentro de nós. É verdade. Todos temos uma catedral para construir. E o Natal, que só ganha significado se o vivermos nos restantes dias do ano, ensina-nos isso.

Façam do vosso Natal o que quiserem, mas façam-no inteiro.

Autor desconhecido

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Os comentários estão fechados para esta entrada de blog

Comentário de Conceição Valadares em 19 dezembro 2021 às 13:24

Maravilhoso texto Adul. Obrigada pela partilha.

Comentário de Marta Maria (adm) em 19 dezembro 2021 às 1:35

Muito bonito o texto e o contexto nele presente nos mostra que com esperança, fé fazemos de todos os dias de nossa vida um Natal, porque na realidade natal significa nascimento, e podemos nascer a cada dia de nossas vidas e construir nossa catedral.

Comentário de Margarida Maria Madruga em 18 dezembro 2021 às 23:27

Lindíssimo texto.

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