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Vivemos tempos tão egóicos, que está se tornando raro o ato de humanidade que Rubem Alves chama de “Escutatória”, isto é, a paciência, o ato de amor e o humanismo que existe em escutar o outro. Um ato de amor tão importante que alivia dores, tensões e abrevia angústias tão presentes no atual mundo competitivo em que vivemos correndo para não perder tempo, pois o tempo ilusoriamente está sendo confundido com dinheiro.

Envolvidos por um contexto egocêntrico desejamos sermos escutados pelo outro, como se as dores dele tivessem menos importância do que as nossas, almejamos também a compreensão, sem levar em conta que para esse intento é preciso compreender o outro em primeiro lugar.

É inegável que a modernidade tem nos proporcionado uma facilidade muito grande quanto à vida material, no entanto, essas mesmas facilidades tem incutido em nós uma falsa noção de autos suficiência, o que silenciosamente vem adoecendo nossa alma. Vivemos tempos em que estamos esquecendo a importância que o outro tem em nossa vida, estamos ignorando que o outro está em nós porque estamos nele.

De certa forma paira sobre nós uma espécie de cegueira coletiva, que não nos deixa perceber o que as evidências sociais e a própria vida mostram a toda hora, ou seja, não somos autos suficientes, porquanto isso é impossível, tanto da forma genética, quanto moral, ética e intelectual.

Ao longo de nossa trajetória como humanos, o ato de escutar e se fazer ouvir nos transformaram em sujeitos compostos de experiências alheias. A troca de conhecimentos nos trouxe até aqui, porquanto para sermos o que agora somos, dependemos de nossos pais e antepassados de quem herdamos a cultura, os costumes e as tradições, como também dos professores e mestres de quem recebemos os saberes formais.

O que julgamos autos suficiência não passa de um embuste tão egocêntrico, quanto irreal, pois somos sujeitos multifacetados, um conglomerado de experiências alheias. Para sermos autos suficientes teríamos de ser independentes, mas não somos, porquanto estamos fisgados aos valores, morais, históricos, culturais, éticos, tradicionais e intelectuais da sociedade a qual pertencemos.

Talvez a atual exposição particular que os meios hoje proporcionam tenha nos transformado em soberanos de um mundo só nosso, embora um mundo paralelo e irreal. Ao que tudo indica estamos vivendo em um castelo, no qual existe apenas um rei ou uma rainha e ninguém mais além da solidão e a dor de não termos servos e nem subordinados para nos obedecer. Isolados em nosso reinado particular desejamos arrastar o outro para nos servir, ao ignorar que o outro também deseja o mesmo.

Como monarcas absolutos, desejamos a compreensão e jamais sermos contrariados. Nisso repousa a atual dificuldade de escutar o outro, pois está se tornando muito difícil encontrar alguém que queira doar seu tempo em prol de aliviar a ansiedade e a angústia do próximo. Desse novo aspecto social está nascendo o fenómeno da desimportância do outro, ou seja, no meu reinado o mais importante sou eu e quem entrar nele deve me servir.

A falta de diálogo está produzindo de forma acelerada tantos reis e rainhas sem tronos, que os profissionais da escuta, como psicólogos e psicanalistas estão sobrecarregados, como também não estão imunes a este fenómeno, pois são seres humanos com todas suas qualidades e limitações.

O importante nesse contexto é avaliarmos em que momento se iniciou a falha ou ruptura social dos relacionamentos que nos trouxe a esse cenário. Talvez tenha iniciado no abandono da mesa, na qual há pouco tempo a família reunia-se para socializar o alimento, oportunidades nas quais a conversa fazia parte desse rito familiar. Talvez tenha se agravado um pouco mais com a introdução da televisão no lar e se agravado muito mais com o advento da Internet, que ao mesmo tempo em que transformou seus usuários em cidadãos cosmopolitas, os levou para um mundo frio e irreal, mundo no qual se transformaram em Reis e Rainhas sem tronos...

Davi Roballo

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Comentário de Patrizia Gardona em 22 julho 2018 às 13:54

Excelente texto amiga, obrigada

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