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Querida Professora,

Sempre que precisava de te dizer alguma coisa, puxava pela tua manga e sussurrava-te ao ouvido. Hoje, porém, vou escrever-te uma carta.

Espero que te lembres de mim.

Sou aquela aluna que chapinhou em todas as pocinhas que encontrou pelo caminho no primeiro dia de escola.

Tinha vestida uma gabardina amarela e arvorava um ar bastante soturno, porque a escola evocava, para mim, a necessidade de estar sentada e escutar, algo que não combinava muito bem comigo.

Encharcada e contrariada, estava mais do que certa de que iria meter-me em sarilhos.

Mas tu sorriste e disseste:

— Bom dia! Pareces mesmo a Mary Kingsley depois de subir o Rio Ogoué em canoa.

— Quem? Onde?

— Mary Kingsley, a destemida exploradora — explicaste. — Um dia, havemos de falar dela nas aulas. E dos crocodilos, claro! Agora, precisas de ir buscar a mopa para limpar essa água do chão.

Crocodilos?

Depois de verificares as presenças, disseste, em voz bem alta:

— Sejam bem-vindos! Este ano vamos plantar o primeiro jardim do segundo ano. Vai ser essa a nossa grande experiência.

— Que bom! Vamos poder mexer na lama! — exclamei.

— Vamos, pois, mas primeiro temos de conhecer bem as plantas — disseste. — Vamos fazer cálculos matemáticos para medir a nossa parcela de terreno, e desenhar um plano do nosso jardim.

Ler? Fazer cálculos? Escrever?

As minhas atividades favoritas eram correr e saltar.

Na semana seguinte, visitámos o riacho que ficava por detrás da escola para saber mais sobre plantas e água.

Quando não estavas a olhar, comecei a saltar de rochedo em rochedo. Mas fiquei presa no meio deles.

— Olhem só para mim! Sou a Mary-Não-Sei-Das-Quantas — chamei, tentando parecer corajosa.

— Cuidado com os crocodilos! — avisaste, antes de te apressares a ir salvar-me.

No caminho de regresso, agarraste a minha mão e nunca disseste a ninguém o quanto eu tremia.

Tentei manter-me sossegada durante o outono. Mesmo antes das férias do Dia de Ação de Graças, perguntaste se alguém queria levar os Irmãos Rato para casa. — Quero eu, Professora! — exclamei em voz alta. Contudo, enquanto eu estava entretida a comer peru, a minha gata Lucy comeu um dos irmãos.

Comprei um outro rato, claro, mas não pude dizer-te que o tinha feito.

Um dia, quando estávamos a limpar a gaiola dos ratos, chamaste por mim e disseste que teríamos de mudar os nomes deles para Pai Rato e Mãe Rato, em vez de Irmãos Rato.

— Sabias, não sabias? — perguntei.

Rindo, disseste:

— Mais vale habituares-te à ideia de que os professores veem tudo.

Quando chegou o inverno, o canto de leitura transformou-se no nosso jardim secreto.

Nas sextas-feiras à tarde, aconchegávamo-nos todos em cima do tapete para ouvir um conto. Parecíamos a ninhada de ratinhos que nascera há pouco.

Eu adorava ouvir-te ler e pedia sempre mais histórias.

Mas não gostava nada de ler em voz alta, pois estava sempre a tropeçar nas palavras.

Certa vez, antes de ser a minha vez de ler, disse:

— Quem quiser ir embora que levante a mão!

Uma outra vez, pus a mão na garganta e disse, fingindo uma rouquidão súbita:

— Acho que perdi a voz!

Mas ninguém conseguia enganar-te.

Um dia, pediste que fosse ter contigo à secretária e perguntaste:

— Quando plantarmos o nosso jardim, achas que as sementes vão crescer logo?

— Claro que não! Todos sabem que as sementes precisam de tempo, sol e água.

— Aprender a ler também requer tempo, sabes. Tens uma gatinha, não tens?

Acenei que sim.

— Chama-se Lucy e gosta de ratos.

— Gostaria que lesses algo à Lucy todos os dias — sugeriste. — Talvez possas ajudá-la a não se meter em sarilhos.

Dei uma risadinha.

— Acho que vou ler-lhe O Gato das Botas!

Pratiquei muito e tu também me ajudaste imenso. Um dia, até me trouxeste um livro especial.

— Conheci este escritor e ele autografou o livro para ti — disseste.

Olhei para a capa e soletrei as palavras.

— É sobre aquela exploradora, a Mary Kingsley! — exclamei, entusiasmada.

Sorriste.

— Na próxima semana, podes partilhá-lo com a turma.

Em março, explorámos a nossa cidade e fizemos uma visita de estudo a uma casa antiga. Era um edifício cheio de história e de passagens secretas. Quando me escapuli para procurar um tesouro escondido na cave, tu e toda a turma tiveram de descer os velhos degraus de pedra para poderem encontrar-me.

Penso que perdeste um pouco a paciência nessa altura e que usaste a palavra “exasperante” para me descrever. Nessa noite, a minha mãe ajudou-me a ver o significado no dicionário.

No dia em que trouxeste sementes para escolhermos, puxei pela manga da tua camisa.

— Podemos plantar estas? O pacote diz “Início da primavera”. Dentro de algumas semanas, vamos poder ter rabanetes vermelho-vivo.

— Boa leitura e boa ideia! – disseste, encorajadora.

Graças aos jogos de matemática que praticámos, foi fácil medir o nosso talhão de jardim.

Depois de remexermos o solo, estávamos prontos para plantar.

Eu era a Encarregada da Equipa dos Rabanetes e li as instruções sem precisar de ajuda.

Durante toda a primavera, tirámos ervas daninhas, regámos e escrevemos um diário sobre o jardim.

Na sexta-feira antes das férias de verão, escrevemos convites para que todas as turmas viessem provar a salada que tínhamos cultivado.

— Que espinafres maravilhosos! — elogiou a diretora.

— É por causa dos vermes — expliquei eu.

Não sabia bem como te agradecer tanta ajuda e bondade, e ofereci-te um edredão de memórias em papel.

Dividi uma folha em quadrados e desenhei em cada quadrado uma cena alusiva a cada uma das atividades do ano: o cantinho de leitura, os vermes da nossa compostagem, a Magnífica Família Ratos, e um desenho de nós as duas.

Olhaste para o edredão durante algum tempo e ergueste-o bem alto para todo o verem.

— Muito obrigada. Nunca vos esquecerei e nunca esquecerei o Jardim do Segundo Ano.

— Eu também não esquecerei — prometi.

E nunca esqueci.

Há já muito tempo que quero escrever-te para te dizer que o meu segundo ano foi o melhor de sempre, apesar de nem sempre prestar atenção e de ser mesmo exasperante.

Acho que não vais ficar surpreendida por eu ainda gostar de atravessar riachos, jardinar, e ler em voz alta para a minha gata.

Queria, sobretudo, dizer-te que vou começar a trabalhar.

E que, amanhã de amanhã, quando me encontrar com a minha primeira turma, vou pensar em tudo o que me ajudaste a explorar e tentar seguir os magníficos exemplos que me deste.

Muito obrigada por teres sido minha professora.

A tua aluna.

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Deborah Hopkinson, Nancy Carpenter (ill.)
A Letter to my Teacher
Schwartz & Wade, 2017
(Tradução e adaptação)

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Os comentários estão fechados para esta entrada de blog

Comentário de Margarida Maria Madruga em 19 setembro 2021 às 12:51

Interessante.

Comentário de Acácia Maria de Jesus Cidreira em 19 setembro 2021 às 0:55

Adorei ler a carta e adoraria escrever diversas cartas à minhas diversas professoras adoráveis.

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